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domingo, 10 de outubro de 2010

UDEMO: As dificuldades de ensinar e aprender Matemática

Matéria publicada na Folha Dirigida, 02/09/2010 - Rio de Janeiro RJ

As dificuldades de ensinar e aprender Matemática

Já existem ferramentas para sair do quadro de giz tradicional para alguma atividade mais interativa

Joyce Trindade

Professor há 44 anos e coordenador do Colégio Metropolitano, Roberto Zaremba Bezerra concluiu a graduação de Matemática na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) em 1968. Autor de diversos livros sobre o assunto, o educador possui vasta experiência em sala de aula. Já lecionou no ensino público e particular, para alunos dos ensinos fundamental, médio e superior. Todos estes anos de vivência dão ao educador conhecimento de sobra para falar dos desafios do ensino da Matemática no país. Um dos principais, segundo ele, é acabar com a aversão que os estudantes têm a matéria. Rejeição que, por sinal, não tem nada a ver com o que se ensina na disciplina mas, principalmente, como ela é ensinada.

Para ele, assim como ocorre com a leitura, a infância também é uma época propícia para despertar nos alunos a paixão pelos números. "Na Matemática, principalmente nas séries iniciais, se o professor acostuma o aluno com aulas criativas e lúdicas, a tendência natural é que este aluno comece a tomar gosto pelo conteúdo. A Matemática não é, e nem deve ser, um bicho papão", destacou Roberto Zaremba. Em entrevista a FOLHA DIRIGIDA, o especialista fala sobre as dificuldades de ensinar e aprender Matemática, defende alterações no processo de aprendizagem e critica modelo do Enem. "A impressão que temos é que quem está no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão que organiza o Enem, nunca passou por uma sala de aula. O Enem tem graves falhas. É preciso modificá-o, para ser usado de forma mais inteligente", afirma o professor.

FOLHA DIRIGIDA - A qualidade do ensino da Matemática tem caído nos últimos anos?
Roberto Zaremba - Eu acho que o ensino da Matemática têm melhorado. Apesar dos últimos índices publicados serem desfavoráveis, muitos profissionais têm procurado fazer um trabalho sério. Podemos comprovar isso pelos livros. Antigamente havia duas ou três publicações no mercado, hoje a concorrência é muito maior. Por isso, os autores têm procurado melhorar. As escolas também têm procurado tornar o ensino mais agradável. No ensino público, entretanto, sou obrigado a dizer que a situação tem piorado, não só em relação à Matemática, mas em todo o ensino de forma geral. Existem algumas escolas públicas que têm uma clientela especial, como os colégios de aplicação e militares, onde o ingresso dos alunos se dá por seleção. Estas instituições ainda conseguem manter um bom nível de ensino, mas nas outras, a situação não é nem um pouco favorável. Basta analisar os resultados do Enem que você percebe essa situação catastrófica. É uma pena, pois eu sou da época em que as escolas boas eram as escolas públicas.

Por que os estudantes geralmente têm rendimento pior em Matemática?
Roberto Zaremba - Isso acontece porque os professores se preocupam em ensinar só a teoria, dissociada da parte recreativa e curiosa da disciplina. Se o aluno não conseguir ver a ligação com a prática, do que é ensinado, perde o interesse. Hoje, as provas mais inteligentes já possuem questões de Matemática mais ligadas ao cotidiano, aos fatos atuais, onde o aluno enxerga, por exemplo, por que ele tem que aprender logaritmo. Eu acho que o grande problema da Matemática é justamente esse: quando você apresenta o conteúdo de forma muito seca. Sempre que você procura mostrar uma forma divertida e interessante da Matemática, o aluno fica mais voltado e interessado com a matéria.

O senhor acha que essa é uma tendência?
Com certeza esse tipo de abordagem veio para ficar, porque ficou mais interessante para o estudante. Hoje em dia, os livros antigos perderam lugar. Os alunos não querem mais esse tipo de publicação. Os livros atuais são muito mais agradáveis visualmente, dão mais prazer ao aluno. Já existem muitos jogos de Matemática em computador, por exemplo, onde é possível sair daquele quadro de giz tradicional para alguma atividade mais interativa, inclusive ligada a outras disciplinas. E as escolas estão se adaptando a essa nova realidade.

E quanto às questões de vestibulares e concursos? Já há essa adaptação?
Nos exames de qualificação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), na primeira fase da Universidade Federal Fluminense (UFF) e no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), você já vê questões mais modernas e atuais, mais agradáveis para ler e resolver. Estas instituições estão mais de acordo com os atuais padrões curriculares. Já a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) tem provas melhor elaboradas tecnicamente, porém, mais tradicionais. Nos concursos públicos essa mudança é bem mais lenta. Durante boa parte da minha vida, trabalhei em bancas de concursos. Já elaborei provas de concursos para o Brasil inteiro e para todos os níveis de escolaridade e o que percebo é que as provas de escolas técnicas e militares ainda são muito tradicionais. Nos exames de seleção para órgão públicos já há muitos professores elaborando provas mais agradáveis, mas ainda é preciso melhorar muito.

Provas como a do Enem influenciam também na forma de abordagem em sala de aula?
Com certeza. Até o ano retrasado, o Enem não tinha um peso muito grande. No Rio de Janeiro, por exemplo, a única universidade pública que selecionava pela nota do Enem era a UniRio. Já em 2009, muitas instituições usaram o exame nacional como forma de ingresso. O aluno já percebeu que a prova e o modelo utilizado por esse exame é importante para ele. Dessa forma, tanto a escola, como o estudante, estão se adaptando a este novo modelo, mais interdisciplinar e ligado a realidade do dia a dia.

Então, você é a favor desse modelo aplicado?
Sou a favor dessa interdisciplinaridade, que deve existir. Mas o Enem também tem graves falhas. A impressão que temos é que quem está no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão que organiza o Enem, nunca passou por uma sala de aula. Esse ano vamos ter dois dias seguidos de prova, com 90 questões para responder em um dia, e mais 90 questões e uma redação para ser elaborada no dia seguinte. Isso, para mim, não é um teste de conhecimento e sim uma maratona para o estudante. O Enem é uma prova muito cansativa. Certamente, os alunos poderiam ser avaliados com menos questões. A ideia do exame é boa, mas não acho que seja bom modelo de prova. E isso não é uma opinião particular. Se você for a vários colégios particulares no Rio de Janeiro, os professores também têm esse ponto de vista. Além disso, com o Enem, há uma prova única para todo o Brasil. Porém, a realidade do Rio de Janeiro, por exemplo, é totalmente diferente de uma cidade do interior do Amazonas. Você não pode ter o mesmo instrumento de avaliação. Mesmo que se use esse instrumento, é preciso modificá-lo, para ser usado de forma mais inteligente.

De que forma você acredita que essa interdisciplinaridade pode ser trabalhada em sala de aula?
Existem várias ações possíveis. No Colégio Metropolitano, por exemplo, estamos iniciando um projeto chamado Programa de Interdisciplinaridade e Contextualização (PIC), onde os alunos têm aulas com dois ou três professores ao mesmo tempo. As próximas aulas serão sobre Nanotecnologia, com professores de Geografia, Química e Informática, e sobre Oriente Médio, com os professores de Geografia e História. Esses professores abordam um mesmo assunto, cada um com a sua perspectiva. Os resultados têm sido ótimos. Um das turmas consideradas mais trabalhosa da escola é a que mais presta atenção nessas aulas. Eles são os mais interessados. Por que? Porque eles têm uma aula mais dinâmica, interessante e curiosa. A troca de conhecimento é muito maior. Isso é muito interessante. Nossos alunos têm gostado muito e temos tido um ótimo retorno deles.

O computador também pode ajudar nesse processo?
Não só pode, como deve. O computador é uma ferramenta essencial e irreversível para auxiliar no ensino da Matemática e de outras disciplinas. Não é possível mais imaginar o ensino sem as ferramentas da internet. A quantidade de conhecimento que os jovens recebem hoje é muito grande. Por isso, é preciso filtrar esse excesso de informação de forma útil e inteligente. Todo esse trabalho também depende muito da disposição do professor. A escola que não se adaptar a esta nova realidade não tem espaço no mercado.

Você acredita que falta qualificação, de maneira geral, aos professores?
Ainda falta sim, bastante qualificação. Eu brinco que professor de Física é uma classe em extinção, pois quase não é possível achar um hoje em dia. Os professores bons são antigos no mercado, mas geralmente esses profissionais já estão cansados e próximos de se aposentar. É preciso criar mecanismos para atrair pessoas interessadas em se tornar professores, se não a situação do ensino só tende a piorar.

Para você, essa preocupação com uma nova abordagem de ensino, especialmente da Matemática, deve estar também nos primeiros anos da formação do aluno?
Com certeza. A forma como a criança tem o primeiro contato com a Matemática vai ser decisiva para que ela goste ou não da matéria. Se ela for apresentada a um ensino agradável, através de recreações e de uma didática mais adequada, o gosto vai ser natural. Eu conheço uma professora do sexto ano do ensino fundamental, a antiga quinta série, que ensina Matemática com música. É claro que ela não precisaria da música para ensinar, mas esse recurso torna a aula mais agradável e alegre. Na Matemática, principalmente nas séries iniciais, se o professor acostuma o aluno com aulas criativas e lúdicas, a tendência natural é que este aluno comece a tomar gosto pelo conteúdo. A Matemática não é, e nem deve ser, um bicho papão.


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